segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Pensar: estrada sem fim...


O texto abaixo, de Rubem Alves, me fez refletir muito esses últimos dias...
Já tem umas duas semanas que tenho me dedicado, durante alguns dias da semana, na produção de um artigo científico em que eu sou responsável por uma de suas partes.
Já escrevi dois outros artigos e já fiz uma monografia de fim de curso, além de outros trabalhos exaustivos, mas confesso que essa parte desse artigo, especialmente - ainda que não muito grande nem muito pequena -deixou-me  bastante cansada mentalmente. E, lendo o texto abaixo, descobri o porquê disso.
O que eu escrevi era sobre uma das teorias de Jürgen Habermas, filósofo e sociológo alemão, um gênio, na minha opinião. Para escrever sobre isso, logicamente, tive que ler e estudar muito,já que não sou superdotada, rs.
Porém, a leitura de conteúdos relacionados com a filosofia e a sociologia, pude perceber, é mais pesada, mais lenta e exige uma reflexão maior do que a de outras disciplinas ou matérias. Isso porque em cada frase que você lê estão implícitos diversos conceitos em várias palavras....o que não pode de jeito nenhum passar despercebido, pois pode comprometer a compreensão do texto. Para o entendimento do sentido do texto, dessa forma, há necessidade de muita concentração.
Mas, o que mais me levou a uma estafa mental foi o fato de que a "simples" leitura que tinha o intuito de se transformar em uma produção de conhecimento foi muito além disso: levou-me para uma reflexão interior, sobre a minha vida, os meus conceitos, a minha visão de mundo...fez-me pensar !!! Isso é bom? Sim, é bom...mas cria problemas...rs...e agora preciso de achar as respostas, as soluções...e quando a gente acha uma, aparecem outros questionamentos e por aí vai..uma estrada sem fim...nunca acaba...
E aí, cuidado (!): pensar, como afirma Rubem Alves, é uma coisa muito perigosa...
Paro por aqui. Deliciem-se com o texto seguinte...

Rubens Alves...Saúde Mental


"Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico: Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu Ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros eobras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se. Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakoviski suicidou-se. Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos. Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é uma coisa muito perigosa...Não, saúde mental elas não tinham... Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvir falar de político que tivesse depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas. Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos. Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente "equipamento duro", e a outra denomina-se software, "equipamento macio". Hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades "espirituais" - símbolos que formam os programas e são gravados nos disquetes. Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o mais importante é a linguagem. Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente, podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso dos símbolos, eles podem vir de poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, pastores, amigos e até mesmo psicanalistas... Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio: A música que saia de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou... Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, "saúde mental" até o fim dos seus dias. Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música... Brahms, Mahler, Wagner, Bach são especialmente contra-indicados. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Tranquilize-se há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato. Seguindo essa receita você terá uma vida tranqüila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos.  Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram..."

Rubem Alves . Sobre o tempo e a eternidade. Campinas: Ed. Papirus, 1996

2 comentários:

  1. Rubem Alvés é muito bom. Principalmente sua literatura mais antiga.

    Viver na banalidade é viver na superfície.
    Viver na contemplação é viver na dúvida.

    O certo é tomar o caminho do meio: saber conciliar! Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
    Beijos , Zé

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  2. Ciça, engraçado que semana passada estava lendo este mesmo texto do Rubem enviado por uma amiga para meu email sobre algumas dúvidas que coloquei para ela... Tinha falado para ela que as vezes sonho muito e sinto demais as coisas e que isto estava tirando completamente meu foco no dia a dia e no trabalho e se ela conhecia algum "remédio" para sonhos e sentimentos... resultado:

    Na Estrada
    http://dinamoribeiro.blogspot.com


    Na estrada nova mente a pensar

    Esperando novos sonhos

    Estes que irão realizar



    E a estrada é de asfalto

    Deve ser pisada com pés

    Sonhos impulsionam, mas será ilusão?



    Sigo livre, voando com pés no chão

    Livre para ver onde chegar

    Livre para errar e acertar

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