sexta-feira, 24 de maio de 2013

A alegria reencontrada


"Ninguém me disse que perdoar assemelhava-se a peregrinar. Compreendi-o há pouco tempo, como se despertasse diante de uma paisagem desconhecida. Descortinou-se de repente o longo caminho, chamando-me... E muitos encontros incentivaram-me a seguir adiante. Sozinho, na verdade, eu jamais teria avançado.

Aprendi que há etapas fundamentais e as percorri, auxiliado pelos que andaram o caminho antes de mim. Comecei pela difícil tarefa de admitir que o mal atingiu e feriu meu sentimento do mundo. Depois, consegui expressar minha indignação diante da violência, sem deixar-me levar pelo ímpeto da vingança. A seguir, fui conduzido ao conhecimento interior do sofrimento, em mim e em quem me ofendeu. E me converti, assim, à compaixão. Enfim, percebi que não há como “pagar”, nem mesmo ao preço de uma vida, a dívida que meu agressor contraiu junto a mim. Mas valeria a pena apostar na justiça do perdão? Por que peregrinar?


Respondo recordando ao leitor a “prisão infernal”, que consiste em viver acorrentado a meu ofensor pelo ressentimento e o desejo do revide. Quem espera receber compensação por um prejuízo infinito aprisiona-se indefinidamente. Ora, a dívida do ofensor tem esse caráter infinito, ela jamais será paga, porque atingiu minha dignidade e provocou dor sem medidas. E quando tudo o que ocorre ganha a tonalidade da dor, nada haverá de curá-la.

Mas há uma saída interior. A do ato que jorra surpreendente da liberdade humana, ato espiritual e gracioso, que revela ao mundo o “poder de perdoar”. Somente o perdão quebra a corrente, deixa partir meu ofensor e, em consequência, me liberta.

Desde criança, ouço a prece que diz “perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos a nossos devedores”. Não haveria, nesta prece, sabedoria de vida para mim? Eis como a interpreto: enquanto eu estiver ligado a meu ofensor, estarei também ligado à dívida. Mas se me desligo, não há mais dívida que me prenda. O perdão dado a outro não consistiria, portanto, em acolher o perdão para mim? Afirmo que sou perdoado ao perdoar. Defendo que recebo de volta minha liberdade, quando liberto meu ofensor: – “Tu nada mais me deves, porque nada podes me dar que compense a ofensa que me impuseste. Estás livre, porque a força do perdão me libertou de ti”. E a consequência da liberdade revivida será alegria e paz. 


Torna-se então possível realizar algo em favor de meu antigo ofensor. Se ele nada pode fazer para compensar o mal que me impôs, deve saber ao menos que me maltratou e receber a “pena” salutar que o corrija. Desejo que ele não me ofenda novamente. Tomarei, portanto, as providências para sanar o mal na raiz, sem contentar-me com a vingança que o perpetuaria.

Somente o olhar da compaixão e a compreensão de que nada pode compensar a violência sofrida guiam-me ao ponto de chegada da peregrinação do perdão, ao ato espiritual que revela ao mundo o poder de perdoar. Entre mim e meu ofensor somente, ou com a ajuda de testemunhas, irei confrontá-lo para fazer-lhe correções, com a intenção de reerguer este “companheiro na dor” e libertá-lo da violência que o dominou.


Se for bem sucedido nessa travessia e guiar o violento ao arrependimento de seus atos, se ele se dispuser a uma reparação cujo fim é torná-lo melhor, então, terei ganhado um irmão. Mas se ele não quiser me escutar, se obstinar-se no mal cometido, não restará outra opção senão entregá-lo à misericórdia divina, e afastar-me. Seguirei meu caminho, porém, libertado da dor!


O vínculo humano fundamental não se rompe sem causar sofrimento e agressão em retorno. Resgatar a humanidade, em mim e no outro, eis o que restabelece a alegria de viver. Desgarrara-me no abismo da ofensa, mas reencontrei-me no caminho do perdão. Agora conheço o poder de perdoar. E compreendo a palavra que diz: “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”.".

autor: Álvaro Mendonça Pimentel - disponível em http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=3598

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